A proteção dos bens essenciais do devedor em recuperação judicial
A proteção dos bens essenciais do devedor em recuperação judicial
Mônica Maria Costa Di Piero
Recuperação Judicial
A discussão sobre bem de capital essencial repousa na norma insculpida no §3º, do artigo 49, da Lei nº 11.101/2005.
De acordo com o critério temporal traçado pelo artigo 49 da Lei 11.101, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.843.332/RS, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, submetido ao rito dos recursos repetitivos, fixou a seguinte Tese (Tema 1.051): “Para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador”.
Via de regra, existem créditos que estão excluídos dos efeitos da recuperação judicial por força de lei, podendo, portanto, perseguir os valores devidos por execução singular, até o valor de sua garantia. Tais créditos estão insculpidos no artigo 49 §§ 3º e 4º da Lei nº 11.101/05 (LRJF).
Bem de capital essencial
O parágrafo 3º, do artigo 49, da Lei nº 11.101/05, prescreve uma exceção à regra legal, determinando que não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial os credores titulares da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio.
“Art. 49. § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
§4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei.”
Em tais casos, prevalecem os respectivos direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva.
Assim, os direitos creditórios sobre recebíveis cedidos em garantia de empréstimo tomado, por se enquadrar na espécie de alienação fiduciária de bens móveis, se constituindo propriedade do credor, não se sujeitam à recuperação judicial.
Todavia, a despeito de não se submeter aos efeitos da recuperação judicial diante da vedação contida no artigo 49, §3º, da LRJF, passou-se a discutir se, à luz da parte final do final do referido dispositivo, poderia o juízo recuperacional considerar o referido “bem de capital essencial” ao desenvolvimento da atividade empresarial da sociedade em recuperação, obstando, assim, temporariamente a sua venda ou a retirada do estabelecimento do devedor, enquanto vigente o prazo de suspensão previsto no § 4º do artigo 6º da Lei n. 11.101/2005.
Jurisprudência
Em relação à cessão dos direitos creditórios, denominados de “recebíveis” e utilizados pela instituição financeira para amortização e/ou liquidação do saldo devedor da “operação garantida”, o STJ possui orientação no sentido de que, por não se tratar de bem de capital, não seria possível impor restrições à propriedade fiduciária de tais direitos creditórios, senão vejamos:
“AGRAVO INTERNO. TUTELA PROVISÓRIA NO RECURSO ESPECIAL. CONTRACAUTELA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ILEGITIMIDADE ATIVA DAS ASSOCIAÇÕES CIVIS SEM FINS LUCRATIVOS. FUMAÇA DO BOM DIREITO RECONHECIDA. PERICULUM IN MORA CARACTERIZADO. PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL AUTORIZADO. CESSÃO DE CRÉDITO. TRAVAS BANCÁRIAS. CRÉDITO NÃO SUJEITO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO DA ESSENCIALIDADE. NÃO ENQUADRAMENTO DOS RECEBÍVEIS COMO BEM DE CAPITAL. PROSSEGUIMENTO DAS EXECUÇÕES. CASO CONCRETO.
Para a concessão de liminar conferindo efeito suspensivo a recurso especial, é necessária a demonstração do periculum in mora – que se traduz na urgência da prestação jurisdicional no sentido de evitar que, quando do provimento final, não tenha mais eficácia o pleito deduzido em juízo -, assim como a caracterização do fumus boni iuris – ou seja, que haja a plausibilidade do direito alegado, a probabilidade de provimento do recurso.
No âmbito de tutela provisória e, portanto, ainda em juízo precário, reconhece-se que há plausibilidade do direito alegado: legitimidade ativa para apresentar pedido de recuperação judicial das associações civis sem fins lucrativos que tenham finalidade e exerçam atividade econômica.
Na espécie, o risco de lesão grave e de difícil reparação também se encontra patente, conforme a descrição da situação emergencial efetivada pelo Administrador Judicial.
No entanto, a pretensão recursal não se mostrou plausível em relação à necessidade de suspensão das travas bancárias, já que, nos termos da atual jurisprudência do STJ, os direitos creditórios (chamados de “recebíveis”) utilizados pela instituição financeira para amortização e/ou liquidação do saldo devedor da ‘operação garantida’ não se submetem à recuperação judicial.
Agravo interno parcialmente provido.” (AgInt no TP n. 3.654/RS, relator Ministro Raul Araújo, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 8/4/2022.)
A partir de uma simples busca jurisprudencial pelos termos “bem essencial” e “recuperação judicial” no site do E. STJ, é possível localizar 58 acórdãos e 3.755 decisões monocráticas sobre o tema.
A definição de bem de capital vem assentada pelo ministro Marco Aurélio Bellize, no julgamento do REsp nº 1.758.746- GO, o “bem de capital” a que a lei se refere há de ser concebido como bem corpóreo (móvel ou imóvel), empregado no processo produtivo da empresa.
O E. STJ é uníssono ao defender que bem essencial se trata de bem corpóreo (móvel ou imóvel) utilizado no processo produtivo da empresa e que se encontra em sua posse, determinando ainda que não seja perecível nem consumível:
“AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. OBSERVÂNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CESSÃO FIDUCIÁRIA. RECEBÍVEIS. TRAVA BANCÁRIA. MANUTENÇÃO.
Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
O relator está autorizado a decidir singularmente o recurso (arts. 932 do CPC/2015 e 557 do CPC/1973). Eventual nulidade da decisão singular fica superada com a apreciação do tema pelo órgão colegiado competente, em agravo interno.
De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, bem de capital a que se refere a parte final do artigo 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005 é o bem corpóreo (móvel ou imóvel) utilizado no processo produtivo da empresa e que se encontra em sua posse.
Os recebíveis cedidos fiduciariamente não se enquadram na qualificação de bem de capital, sendo que sua utilização significa o esvaziamento da garantia fiduciária, não sendo possível a intervenção judicial para a sua liberação.
Agravo interno não provido.” (STJ. AgInt nos EDcl no REsp n. 1.680.456/SE, relator Ministro Ricardo Villas Boas Cuéva, 3ª Turma, julgado em 30/8/2021, DJe 3/9/2021)
Da definição de bem de capital essencial, tem-se que os recursos financeiros e os direitos creditícios não estariam abarcados pela temática da essencialidade e poderiam ser expropriada livremente pelos credores, a qualquer instante.
Isso porque, segundo entendimento sufragado pelo E. STJ, os recebíveis não se enquadram como bem de capital, razão pela qual não se revestem de essencialidade ao desenvolvimento da atividade, não são utilizados para cadeia produtiva da atividade e sua liberação em favor do devedor acarretaria o esvaziamento da garantia.
O tribunal, entende que, mesmo superado o prazo do stay [1], os bens essenciais ao desenvolvimento da atividade não poderão ser expropriados a qualquer tempo, eis que sua retirada poderia inviabilizar a estrutura normativa necessária, assim como o princípio maior, dos processos de soerguimento, que tem como pilar o teor do artigo 47 [2] da lei de regência.
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. ACLARATÓRIOS ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES. NOVO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BENS ESSENCIAIS. SUSPENSÃO DURANTE O STAY PERIOD. 1. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes para tornar sem efeito o acórdão que não conheceu do agravo em recurso especial sob a tese de ausência de impugnação dos fundamentos da decisão de admissibilidade. Reconsideração da decisão da Presidência. 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, ‘Os bens alienados fiduciariamente, quando integram a atividade essencial da empresa recuperanda, devem permanecer com o devedor durante o período de suspensão previsto no art. 6º, § 4º, da Lei 11.101/2005. Esse entendimento, contudo, não altera a natureza do crédito que recai sobre os bens alienados fiduciariamente, cuja propriedade permanece do credor fiduciário e, portanto, não sujeito à recuperação judicial. O efeito jurídico decorrente, portanto, é apenas o de impedir a consolidação da propriedade fiduciária em favor do credor durante esse período’ (EDcl no AgInt no AREsp n. 1.700.939/GO, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, 4ª TURMA, julgado em 29/11/2021, DJe de 15/12/2021). 3. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para reconsiderar a decisão da Presidência a fim de conhecer do agravo e negar provimento ao recurso especial.” (EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.137.027/MT, relator Ministro Raul Araújo, 4ª Turma, julgado em 27/3/2023, DJe de 3/4/2023.)
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AGRAVANTE.
Compete ao juízo da recuperação judicial a prática de atos de execução (constritivos/expropriatórios) deduzidos em face do patrimônio da empresa recuperanda, mesmo após o transcurso do prazo de 180 dias de suspensão, previsto no art. 6º, § 4º, da Lei 11.101/05.
Segundo orientação jurisprudencial firmada por esta Corte Superior de Justiça, os credores cujos créditos não se sujeitam ao plano de recuperação, mesmo aqueles garantidos por alienação fiduciária, não podem expropriar bens essenciais à atividade empresarial, sob pena de subvertendo-se o sistema, conferir maior primazia à garantia real em detrimento do princípio da preservação da empresa. 2.1.Em razão de os imóveis dados em garantia fiduciária constituírem o local onde são exercidas atividades de administração, gerenciamento, plantio e produção de maçãs (objeto social das recuperandas), não se revela possível a consolidação da propriedade fiduciária em favor da parte credora.
Agravo interno desprovido.” (AgInt no AREsp n. 1.677.661/SC, relator ministro Marco Buzzi, 4ª Turma, julgado em 19/10/2020, DJe de 23/10/2020.)
Princípios balizadores
O ministro Marco Buzzi, no julgamento monocrático do REsp 2.079.562 ,utiliza como balizador os princípios da razoabilidade e proporcionalidade em relação à imposição de restrições à continuidade das medidas para consolidação da propriedade pelos credores fiduciários em cotejo com os reflexos dos entendimentos adotados no âmbito da recuperação judicial no mercado de crédito. Veja-se o excerto:
“Com efeito, ainda que a jurisprudência venha flexionando a rigidez da lei, admitindo, em algumas hipóteses a manutenção de bens essenciais com a recuperanda, certo é que devem ser observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para a preservação da segurança jurídica das relações negociais e do próprio direito tutelado pela lei de regência, razão pela qual citado benefício não pode virar uma prática corrente, sob pena de subverter a legislação de conteúdo expresso e os próprios instrumentos de garantia real que tanto beneficiam a concessão de crédito.
De mais a mais, há outros fatos mais relevantes a serem aqui ponderados, considerando que o processamento da recuperação foi deferido há mais 1.000 dias, sendo que a parte devedora sequer comprovou ter formado um fluxo de caixa para começar a adimplir as dívidas extraconcursais aqui representadas pelos contratos com alienação fiduciária, mantendo-se neste longo período em uma situação extremamente cômoda, em flagrante detrimento do direito do credor.
(…)
Isto porque, estamos aqui diante de um verdadeiro contrassenso, para não dizer um absurdo jurídico, uma vez que os credores fiduciários que, pela lógica, deveriam ter uma preferência altamente privilegiada no recebimento de seus créditos (extraconcursais, diga-se de passagem), encontram-se engessados em seu direito de proprietários dos bens na medida em que, nem fazem parte do plano de pagamento, nem podem se valer das medidas cabíveis para a satisfação de seu crédito.
Ou seja, criou-se uma situação sui generis na qual o credor fiduciário foi rebaixado a uma condição inferior à dos credores ordinários, os quais poderão, além de participar da Assembleia Geral, receber os seus créditos, ao passo que os extraconcursais que pela lei deveriam estar para além dos muros da recuperação judicial, totalmente garantidos, permanecerão num limbo jurídico.
Não se sujeitam aos efeitos da recuperação pelo regramento da lei de regência, mas também não podem tentar reaver o bem para a satisfação de seu crédito. Eis uma situação verdadeiramente desproporcional e desarrazoada, pois, a pretexto garantir a sobrevivência de empresas mal geridas ou com dificuldades de administração, ainda que por causas externas, não se pode prejudicar de forma tão brutal o patrimônio de quem se dispõe a conceder crédito no mercado, o que pode inclusive desestabilizar relações creditícias futuras.
Aliás, a prevalecer tal situação, este Tribunal estará fomentando ou, no mínimo, chancelando um indigesto fenômeno financeiro, que já vem sendo percebido pelos olhos mais atentos do mercado, qual seja, a diminuição da concessão do crédito financeiro na praça pela insegurança jurídica que tal exceção vem proporcionando – situação que, com toda certeza, contribuirá negativamente para a economia do nosso Estado de Mato Grosso.” (STJ. REsp 2079562. Relator ministro Marco Buzzi, 4ª Turma, data da publicação: 06/10/2023)
Competência para a definição
No que se refere à competência para definição da essencialidade do bem, buscando adequar a legislação ao entendimento jurisprudencial formado, a reforma da LRJF pela Lei nº 14.112/2020 incluiu no texto legal o §º7-A no artigo 6º, pacificando a competência do juízo recuperacional para dirimir questões acerca dos bens essenciais para o desenvolvimento da atividade, vejamos a literalidade do mencionado artigo:
“§7º A. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica aos créditos referidos nos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º deste artigo, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015” (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código.
Na mesma linha são os julgados do E. STJ, veja-se:
“AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL E AÇÃO TRABALHISTA. INEXISTÊNCIA DE ATOS DE CONSTRIÇÃO DIRECIONADOS AO PATRIMÔNIO DA EMPRESA RECUPERANDA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PROMOVIDA NO JUÍZO LABORAL. POSSIBILIDADE. CONFLITO NÃO CONHECIDO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
Esta Corte Superior de Justiça possui firme o entendimento no sentido de que os atos de constrição tendentes à expropriação de bens essenciais à atividade empresarial e ao próprio soerguimento da empresa devem ser submetidos ao controle do Juízo da recuperação, até mesmo nos casos em que o crédito não se submeta ao plano de recuperação judicial, na esteira do regramento do artigo 49, e parágrafos, da Lei 11.101/2005.
Todavia, no caso sob análise, inexiste demonstração de constrição patrimonial direcionada à suscitante, mas apenas à sócios e coobrigados.
Segundo a redação da Súmula 581/STJ, “a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória”.
A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005 (REsp 1333349/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/11/2014, DJe 02/02/2015).
Não configura conflito de competência, em regra, a constrição de bens dos sócios da empresa em recuperação judicial, à qual foi aplicada, na Justiça Especializada, a desconsideração da personalidade jurídica (AgInt no CC 155.358/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/05/2018, DJe 30/05/2018) 6. Agravo interno não provido.” (AgInt no CC n. 180.309/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, julgado em 19/10/2021, DJe de 22/10/2021.)
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO APELO NOBRE DA PARTE ADVERSA. INSURGÊNCIA DA AGRAVADA.
O decurso do prazo de 180 dias previsto no art. 6º, § 4º, da LFR não autoriza, de forma automática, a retomada das demandas movidas contra o devedor, uma vez que a suspensão também encontra fundamento nos arts. 47 e 49 daquele diploma legal, cujo objetivo é garantir a preservação da empresa e a manutenção dos bens de capital essenciais à atividade na posse da recuperanda.
Nos termos da orientação jurisprudencial firmada nesta corte, ainda que superado o prazo de suspensão previsto no art. 6º da Lei 11.101/05, compete ao juízo da recuperação a prática de atos expropriatórios deduzidos em detrimento da empresa em recuperação judicial, assim como aquilatar sua essencialidade para o sucesso do plano de soerguimento.
Agravo interno desprovido.” (AgInt no AREsp n. 1.684.995/RS, relator ministro Marco Buzzi, 4ª Turma, julgado em 26/10/2020, DJe de 29/10/2020.)
Mesmo antes da entrada em vigor da alteração legislativa, verifica-se que o E. STJ era sólido quanto à competência do juízo recuperacional para dirimir as questões envolvendo o patrimônio da empresa devedora, notadamente a definição da essencialidade do bem à atividade empresarial e, consequentemente, a possibilidade (ou não) de excussão pelo credor que não se submete aos efeitos recuperatórios.
“AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DEFERIMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. MEDIDAS CONSTRITIVAS IMPOSTAS AO PATRIMÔNIO DA RECUPERANDA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, INDEPENDENTEMENTE DO DECURSO DO PRAZO DE 180 (CENTO E OITENTA) DIAS PREVISTO NO ART. 6º, § 4º, DA LEI N. 11.101/05. ART. 49, § 3º, DA LEI N. 11.101/2005. BENS ESSENCIAIS ÀS ATIVIDADES ECONÔMICO-PRODUTIVAS. PERMANÊNCIA COM A EMPRESA RECUPERANDA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A despeito de o art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/05 assegurar o direito de os credores prosseguirem com seus pleitos individuais passado o prazo de 180 (cento e oitenta) dias da data em que deferido o processamento da recuperação judicial, a jurisprudência desta Corte tem mitigado sua aplicação, tendo em vista tal determinação se mostrar de difícil conciliação com o escopo maior de implementação do plano de recuperação da empresa. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no CC n. 143.802/SP, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, 2ª Seção, julgado em 13/4/2016, DJe de 19/4/2016.)
“CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE VEÍCULOS. BENS ESSENCIAIS À ATIVIDADE EMPRESARIAL. PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL.
Conflito de competência suscitado em 04/05/2016. Atribuído ao Gabinete em 14/11/2016.
Apesar de o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis não se submeter aos efeitos da recuperação judicial, o juízo universal é competente para avaliar se o bem é indispensável à atividade produtiva da recuperanda. Nessas hipóteses, não se permite a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade empresarial (art. 49, §3º, da Lei 11.101/05). Precedentes.
Na espécie a constrição dos veículos alienados fiduciariamente implicaria a retirada de bens essenciais à atividade da recuperanda, que atua no ramo de transportes.
Conflito conhecido. Estabelecida a competência do juízo em que se processa a recuperação judicial.” (CC n. 146.631/MG, relatora ministra Nancy Andrighi, 2ª Seção, julgado em 14/12/2016, DJe de 19/12/2016.)
Nesse âmbito, a 3ª Turma do E. STJ, em julgado acerca da essencialidade de recebíveis, também reconheceu que, se determinado bem não puder ser classificado como bem de capital, ao juízo da recuperação não é dado fazer nenhuma inferência quanto à sua essencialidade. Nesse sentido:
“RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CESSÃO DE CRÉDITO/RECEBÍVEIS EM GARANTIA FIDUCIÁRIA A EMPRÉSTIMO TOMADO PELA EMPRESA DEVEDORA. RETENÇÃO DO CRÉDITO CEDIDO FIDUCIARIAMENTE PELO JUÍZO RECUPERACIONAL, POR REPUTAR QUE O ALUDIDO BEM É ESSENCIAL AO FUNCIONAMENTO DA EMPRESA, COMPREENDENDO-SE, REFLEXAMENTE, QUE SE TRATARIA DE BEM DE CAPITAL, NA DICÇÃO DO § 3º, IN FINE, DO ART. 49 DA LEI N. 11.101/2005. IMPOSSIBILIDADE. DEFINIÇÃO, PELO STJ, DA ABRANGÊNCIA DO TERMO ‘BEM DE CAPITAL’. NECESSIDADE. TRAVA BANCÁRIA RESTABELECIDA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
A Lei n. 11.101/2005, embora tenha excluído expressamente dos efeitos da recuperação judicial o crédito de titular da posição de proprietário fiduciário de bens imóveis ou móveis, acentuou que os “bens de capital”, objeto de garantia fiduciária, essenciais ao desenvolvimento da atividade empresarial, permaneceriam na posse da recuperanda durante o stay period.
1.1. A conceituação de “bem de capital”, referido na parte final do § 3º do art. 49 da LRF, inclusive como pressuposto lógico ao subsequente juízo de essencialidade, há de ser objetiva.
Para esse propósito, deve-se inferir, de modo objetivo, a abrangência do termo “bem de capital”, conferindo-se-lhe interpretação sistemática que, a um só tempo, atenda aos ditames da lei de regência e não descaracterize ou esvazie a garantia fiduciária que recai sobre o “bem de capital”, que se encontra provisoriamente na posse da recuperanda.
De seu teor infere-se que o bem, para se caracterizar como bem de capital, deve utilizado no processo produtivo da empresa, já que necessário ao exercício da atividade econômica exercida pelo empresário. Constata-se, ainda, que o bem, para tal categorização, há de se encontrar na posse da recuperanda, porquanto, como visto, utilizado em seu processo produtivo. Do contrário, aliás, afigurar-se-ia de todo impróprio — e na lei não há dizeres inúteis — falar em “retenção” ou “proibição de retirada”. Por fim, ainda para efeito de identificação do “bem de capital” referido no preceito legal, não se pode atribuir tal qualidade a um bem, cuja utilização signifique o próprio esvaziamento da garantia fiduciária. Isso porque, ao final do stay period, o bem deverá ser restituído ao proprietário, o credor fiduciário.
A partir da própria natureza do direito creditício sobre o qual recai a garantia fiduciária – bem incorpóreo e fungível, por excelência –, não há como compreendê-lo como bem de capital, utilizado materialmente no processo produtivo da empresa.
Por meio da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito (em que se transfere a propriedade resolúvel do direito creditício, representado, no último caso, pelo título – bem móvel incorpóreo e fungível, por natureza), o devedor fiduciante, a partir da contratação, cede “seus recebíveis” à instituição financeira (credor fiduciário), como garantia ao mútuo bancário, que, inclusive, poderá apoderar-se diretamente do crédito ou receber o correlato pagamento diretamente do terceiro (devedor do devedor fiduciante). Nesse contexto, como se constata, o crédito, cedido fiduciariamente, nem sequer se encontra na posse da recuperanda, afigurando-se de todo imprópria a intervenção judicial para esse propósito (liberação da trava bancária).
A exigência legal de restituição do bem ao credor fiduciário, ao final do stay period, encontrar-se-ia absolutamente frustrada, caso se pudesse conceber o crédito, cedido fiduciariamente, como sendo “bem de capital”. Isso porque a utilização do crédito garantido fiduciariamente, independentemente da finalidade (angariar fundos, pagamento de despesas, pagamento de credores submetidos ou não à recuperação judicial, etc), além de desvirtuar a própria finalidade dos “bens de capital”, fulmina por completo a própria garantia fiduciária, chancelando, em última análise, a burla ao comando legal que, de modo expresso, exclui o credor, titular da propriedade fiduciária, dos efeitos da recuperação judicial.
Para efeito de aplicação do § 3º do art. 49, “bem de capital”, ali referido, há de ser compreendido como o bem, utilizado no processo produtivo da empresa recuperanda, cujas características essenciais são: bem corpóreo (móvel ou imóvel), que se encontra na posse direta do devedor, e, sobretudo, que não seja perecível nem consumível, de modo que possa ser entregue ao titular da propriedade fiduciária, caso persista a inadimplência, ao final do stay period.
6.1 A partir de tal conceituação, pode-se concluir, in casu, não se estar diante de bem de capital, circunstância que, por expressa disposição legal, não autoriza o Juízo da recuperação judicial obstar que o credor fiduciário satisfaça seu crédito diretamente com os devedores da recuperanda, no caso, por meio da denominada trava bancária.
Recurso especial provido.” (REsp 1758746 / GO, relator ministro Marco Aurélio Bellizze. 3ª Turma, julgado em 25/09/2018.)
Trava bancária
O reflexo da discussão da essencialidade de bem de capital dá-se no caso concreto quando, em processos de recuperação judicial, ocorre a chamada “trava bancária”.
O instituto da trava bancária, ou cessão fiduciária de créditos recebíveis, é a garantia oferecida aos bancos pelas empresas na obtenção de empréstimos bancários para fomentação de suas atividades [3].
Trata-se dos valores a receber no decorrer do tempo, em momento futuro, que representam o faturamento proveniente da produção financiada pela instituição financeira. O empréstimo inicialmente acordado é reembolsado por meio dos pagamentos efetuados à empresa recuperanda por seus parceiros. Esses créditos são retidos, isto é, “travados”, não estando disponíveis para utilização pela empresa em suas atividades de fluxo de caixa, sendo remetidos diretamente à instituição bancária.
Em outras palavras, a “trava bancária” se dá em caso de cessão fiduciária, na qual o empresário em recuperação judicial concedeu em garantia seus créditos recebíveis, em troca de liberação de recursos.
O STJ como se constata, é firme ao entender que a trava bancária aplicada pelas instituições financeiras está coberta sob o manto da legalidade, significa dizer o crédito cedido fiduciariamente não poderá sofrer restrições.
Na cessão fiduciária de créditos não há desdobramento da posse como nos demais tipos de alienação fiduciária. E, bens de capital devem ser entendidos como aqueles utilizados no processo produtivo para gerar outros produtos ou serviços, tais como maquinários, instalações e veículos, por exemplo, não podendo, na espécie, ser ampliado o seu conceito para os valores decorrentes das travas bancárias.
É nesse esteio que não se poderia excepcionar os recebíveis como bens essenciais ao desenvolvimento da atividade empresária da devedora.
A E. Corte tem posicionamento expresso quanto a impossibilidade de adequar dinheiro como bem de capital essencial ao desenvolvimento da atividade, veja-se a seguinte ementa:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXECUÇÃO FISCAL. ARTIGO 6º, § 7-B, DA LEI Nº 11.101/2005. VALORES EM DINHEIRO. BENS DE CAPITAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO. AUSÊNCIA.
Os autos buscam definir se está configurado o conflito positivo de competência na espécie e, sendo esse o caso, qual o juízo competente para, em execução fiscal, determinar a constrição de valores pertencentes a empresa em recuperação judicial.
A caracterização do conflito de competência pressupõe que a parte suscitante demonstre a existência de divergência concreta e atual entre diferentes juízos que se entendem competentes ou incompetentes para analisar determinada causa.
Na hipótese, o Juízo da recuperação judicial, ao determinar o desbloqueio de valores efetivado na execução fiscal, invadiu a competência do Juízo da execução.
O artigo 6º, § 7º-B, da Lei nº 11.101/2005, introduzido pela Lei nº 14.112/2020, dispõe que se a constrição efetivada pelo Juízo da execução fiscal recair sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial, caberá ao Juízo da recuperação determinar a substituição por outros bens, providência que será realizada mediante pedido de cooperação jurisdicional.
O Superior Tribunal de Justiça, interpretando a abrangência da expressão “bens de capital” constante do artigo 49, § 3º, da LREF, firmou entendimento no sentido de que se trata de bens corpóreos, móveis ou imóveis, não perecíveis ou consumíveis, empregados no processo produtivo da empresa.
A Lei nº 14.112/2020, ao incluir o artigo 6º, § 7º-B, na Lei nº 11.101/2005, utilizou-se da expressão “bens de capital” – já empregada no artigo 49, § 3º, ao qual, por estar inserido na mesma norma e pela necessidade de manter-se a coerência do sistema, deve-se dar a mesma interpretação.
Valores em dinheiro não constituem bens de capital a inaugurar a competência do Juízo da recuperação prevista no artigo 6º, § 7º-B, da LREF para determinar a substituição dos atos de constrição.
Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da execução fiscal.” (STJ. CC nº 196553/PE. 2ª Seção. Relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Data do Julgamento: 18/04/2024)
Desse modo, havendo a cessão de recebíveis, todos os direitos e prerrogativas conferidas ao credor fiduciário decorrentes da cessão fiduciária são exercitáveis imediatamente à contratação da garantia, independentemente de seu registro ou da individualização dos títulos.
Assentadas tais premissas, o posicionamento perfilhado no âmbito da jurisprudência da Corte Superior é no sentido de que os direitos creditórios sobre recebíveis possuem natureza jurídica de propriedade fiduciária não se sujeitando à recuperação judicial e, por conseguinte, estando excluído da proteção do stay period.
Nas instâncias inferiores a matéria é controvertida, verificando-se que em alguns casos, os juízos tendem a liberar a trava bancária ou ainda modular o percentual aplicável ao caso.
Os magistrados deferem, em alguns casos, o pleito das sociedades devedoras visando liberar a trava bancária procedida pelas instituições financeiras que detenham cessão fiduciária de recebíveis em garantia, determinando ainda a restituição dos valores retidos, sob fundamento de que o dinheiro é o bem mais essencial de todos, uma vez que configura capital de giro necessário para realização de seus objetivos.
Com muita propriedade na matéria, discorre Sheila Christina Neder Cerezetti [4] sobre a necessidade de se garantir, procedimentalmente, interpretações mais adequadas à concretização da preservação da empresa, senão vejamos:
“Apresentadas as bases teóricas da valorização da preservação da empresa no campo do direito societário e uma vez esclarecido que o tema foi reconhecido como central pela Lei de Recuperação e Falência, cumpre ponderar acerca de seu sentido no âmbito da recuperação judicial da empresa em crise. Sobre o tema, Paulo Fernando Campos Salles de Toledo aponta que a preservação da empresa praticamente se confunde com a primeira das finalidades mencionadas no art.47 da Lei de Recuperação e Falência – qual seja, a manutenção da fonte produtora. O jurista cita que o legislador, ao tratar da empresa, talvez estivesse se referindo à empresa sob o sentido funcional indicado por Alberto Asquini – ou seja, a empresa enquanto atividade. Disso decorreria a interpretação segundo a qual o objetivo a ser alcançado diz respeito à preservação da atividade empresarial, e não à preservação da sociedade empresária em questão”.
Em alguns casos, a manutenção da trava bancária poderá afetar o capital de giro da empresa em crise.
A divergência jurisprudencial já foi alvejada também na doutrina, nas palavras de João Pedro Scallzili, Luis Spinelli e Rodrigo Tellechea [5]:
“Como esses créditos geralmente compreendem parte substancial dos recebíveis das empresas em crise, senão a totalidade de suas receitas, é bastante comum a inclusão desses créditos na recuperação judicial seguida do questionamento da legalidade da garantia prestada é de requerimento de liberação os valores sob o argumento de representarem capital de giro essencial para a sobrevivência da atividade empresarial em crise. Em uma perspectiva jurisprudencial, tais operações de crédito são consideradas válidas, não sendo abrangidas pelos efeitos da recuperação judicial, exceto quando sé verifica problema na constituição da garantia. Existe, contudo, corrente jurisprudencial que defende a possibilidade de liberação dos recebíveis do devedor cedidos em garantia a terceiro durante o período de proteção (stay period), desde que o magistrado consiga enquadra-los na categoria “bem essencial ao exercício da atividade”, conforme ressalva feita no art. 49, §3º, ultima parte.”
Produtos agrícolas
Vale acrescer, os produtos agrícolas também não constituem bem de capital e, no sentir da jurisprudência da 3ª Turma do E. STJ, não é considerado essencial. Analisemos o voto da ministra Nancy Andrighi no julgamento do Resp 1.991.989/MA datado de 3/5/2022:
“RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRODUTORES RURAIS. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/15. SÚMULA 284/STF. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. BEM DE CAPITAL. CLASSIFICAÇÃO QUE NÃO ABRANGE O PRODUTO FINAL DA ATIVIDADE EMPRESÁRIA. RESTRIÇÃO DA PARTE FINAL DO ART. 49, § 3º, DA LEI 11.101/05. INAPLICABILIDADE À HIPÓTESE DOS AUTOS.
Ação ajuizada em 17/2/2020. Recurso especial interposto em 18/12/2020. Autos conclusos ao Gabinete em 26/1/2022.
O propósito recursal consiste em definir se produtos agrícolas (soja e milho) podem ser classificados como bens de capital essenciais à atividade empresarial – circunstância apta a atrair a aplicação da norma contida na parte final do § 3º do art. 49 da Lei 11.101/05 – e se é possível ao juízo da recuperação judicial autorizar o descumprimento de contratos firmados pelos devedores.
A ausência de expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição nas razões recursais enseja o não conhecimento do recurso quanto ao ponto. Incidência da Súmula 284/STF.
Cumpre registrar, outrossim, que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/15 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte.
Não houve manifestação, no acórdão recorrido, acerca da alegada autorização para descumprimento dos contratos celebrados entre o recorrente e os recorridos. A ausência de prequestionamento impede o exame da insurgência.
Mesmo que se pudesse ultrapassar referido óbice, a questão a ser analisada exigiria que esta Corte se debruçasse sobre fatos, provas e cláusulas contratuais, circunstância vedada em sede de recurso especial. Incidência das Súmulas 5 e 7 do STJ.
Bem de capital é aquele utilizado no processo de produção (veículos, silos, geradores, prensas, colheitadeiras, tratores etc.), não se enquadrando em seu conceito o objeto comercializado pelo empresário. Doutrina.
Se determinado bem não puder ser classificado como bem de capital, ao juízo da recuperação não é dado fazer nenhuma inferência quanto à sua essencialidade para fins de aplicação da ressalva contida na parte final do § 3º do art. 49 da Lei 11.101/05. Precedente.” RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO. (STJ. Resp 1.991.989/MA. Terceira Turma. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Data do Julgamento: 03.05.2022)
A ministra concluiu que a safra não cumpre os requisitos para ser considerado bem de capital: “Note-se, nesse aspecto, que a própria pretensão deduzida perante o juízo de primeiro grau pelos recorridos (que deu origem ao presente recurso especial) revela que não se trata de bens a serem utilizados no processo de produção, pois o pedido de reconhecimento de sua essencialidade tem como objetivo deliberado o incremento de sua disponibilidade financeira“.
Considerações finais
Trago aqui, essa colação a fim de ilustrar o tema desenvolvido, certa de que acerca dessa questão, exige-se uma análise mais aprofundada.
Conclui-se do exposto, alguns importantes pontos sobre o assunto:
Temos um sistema recuperacional de empresas, sólido quanto a questão da proteção dos bens essenciais de capital, por hora. Se considerarmos que a jurisprudência do STJ e a modificação feita pela Lei nº 14.112/20, no §3º do artigo 49, prescrevendo a extraconcursalidade de alguns credores, caminham no mesmo sentido, ha uma plataforma coerente.
Sim, porque diante de uma juricidade empresarial própria, a insolvência nos exige extrema segurança jurídica. E diante desse quadro, investidores saberão em que sistema jurídico estarão investindo.
A leitura da evolução jurisprudencial, juntamente com o texto de lei, conclui que o bem essencial, é o bem de capital, diga-se uma leitura bastante objetiva.
Atesta-se que o STJ tem como preocupação “a garantia”, sem quebra da unicidade do sistema. É uníssona, orientação em razão do crédito cedido fiduciariamente.
O que ao final, dialoga, com o princípio processual do dualismo pendular e constitucional da preservação da empresa, que foi fonte da “mens legis” de menos de três anos atrás. Não há que se olvidar, que iniciativas normativas se deram para fortalecer a segurança jurídica.
A questão relativa ao que se considera bem de capital essencial a ser reconhecida pelo juízo recuperacional nos parece uma constatação necessária ao amadurecimento do toque judicial afeto ao juízo recuperacional.
Sem dúvida a aquilatação do bem essencial de capital, só se dará diante do caso concreto. E não da lei em tese.
Essa é uma característica do direito pós positivo. A dinâmica dos fatos necessária a recuperação da crise de uma empresa, impõe a avaliação da liquidez necessária ao funcionamento e manutenção da empresa. Daí dá-se exceções em instâncias inferiores.
Por outro lado, é diante do caso concreto, que o juiz pode determinar que os ativos de uma empresa são verdadeiramente essenciais para continuidade das operações da empresa.
Essa avaliação envolve a análise de fatores financeiros, operacionais e estratégicos.
Há de se manter a equidade entre as partes.
Assim não vemos a quebra de um sistema, mas uma adequação, se em casos de cessão fiduciária, na qual o empresário em recuperação judicial conceda em garantia seus créditos recebíveis em troca da liberação imediata de recursos.
Trata-se de cautela na excussão a qualquer preço, expropriando-se imediatamente o patrimônio da devedora recuperanda, a chamada trava bancária.
Em verdade, o que se quer, é um sistema coerente, com decisões que sejam efetivamente cumpridas.
Foi nesse sentido, que recentemente, enunciou, o 2º Congresso do Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências, através de seu grupo de trabalho, do Conselho Nacional de Justiça, presidido pelo Ministro Luiz Felipe Salomão.
Diz o enunciado: “A definição de bem de capital essencial cabe ao juízo da recuperação judicial mediante a análise das circunstâncias de fato específicas do caso”.
Fonte de importante hermenêutica ao sistema de insolvência brasileiro, o congresso contou com um seminário sobre a matéria, e ainda a participação de mais de duzentos inscritos, na votação de quatro enunciados, revelando, portanto, a importância do Conselho Nacional de Justiça, na implantação de boas práticas na política judiciária.
FONTE: Conjur