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Credor retardatário na recuperação judicial também pode ter direito a voto

  09 de Agosto de 2024

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De acordo com o § 1º, do artigo 10, da Lei 11.101/2005, “na recuperação judicial, os titulares de créditos retardatários, excetuados os titulares de créditos derivados da relação de trabalho, não terão direito a voto nas deliberações da assembléia-geral de credores”. Tal previsão é aplicável à falência, “salvo se, na data da realização da assembléia-geral, já houver sido homologado o quadro-geral de credores contendo o crédito retardatário”, conforme o § 2º do mesmo artigo. A partir daí, parte da literatura especializada entende que a lei impõe sanção ao credor que apresentar habilitação retardatária.

Para Fábio Ulhoa Coelho, “os retardatários na falência não votam na Assembleia dos Credores enquanto não tiver sido homologado o QGC contendo o seu crédito. Atendida essa condição, eles adquirem o direito de voto. Já os retardatários na recuperação judicial nunca adquirem o direito de voto na Assembleia dos Credores, mesmo depois de julgado admitido o seu crédito. Isso porque os dois dispositivos em foco devem ser interpretados sistematicamente. Não haveria sentido em prever a ressalva apenas no término do § 2º (em virtude da qual o retardatário na falência adquire o direito de voto após a homologação do QGC) se ela também fosse pertinente à hipótese do § 1º”.

Segundo Marcelo Sacramone, na recuperação judicial “ainda que conste nessas listas em razão do julgamento de sua habilitação retardatária, o credor não poderá exercer seu direito de voto. Isso porque, procurou a Lei falimentar incentivar a utilização das habilitações ou impugnações tempestivas, em detrimento das retardatárias”.

Sérgio Campinho, por sua vez, apresenta solução diferente, entendendo possível o voto do credor a partir do momento em que este é incluído no quadro de credores:

Percebe-se incoerência injustificável entre os preceitos: na falência, o crédito retardatário incluído no quadro-geral de credores por ocasião da realização da assembleia poderá render ensejo a voto de seu titular; na recuperação não. Qual a lógica da distinção? Nenhuma, em nossa visão. Afora esta falta de sustentação lógica e racional para amparar o tratamento diferenciado, a análise sistemática das regras recomenda uma exegese diversa da versão gramatical. O artigo 39, em sua parte inicial, garante o direito de voto àqueles que figurarem no quadro-geral de credores, fiança essa repetida na sua parte final ao estabelecer que, em qualquer caso, terão idêntico direito os credores ‘que tenham créditos admitidos ou alterados por decisão judicial’. Em face dos métodos de interpretação lógico, racional e sistemático, além do tratamento isonômico que se impõe, extraímos a seguinte inteligência dos dispositivos em apreço: tanto na falência, como na recuperação, os credores retardatários, deles excetuados tão-somente os titulares de créditos derivados da relação de trabalho, não terão direito de voto na assembléia-geral de credores, salvo se, na data de sua realização, já houver sido homologado o quadro-geral de credores, contendo o crédito retardatário.

Parece-me, todavia, que a solução mais adequada é a que admite o direito de voto tão logo seja reconhecido o crédito por meio de decisão judicial.

Isso porque inadmitir o voto do credor retardatário, mesmo depois de decisão judicial que determine sua inclusão na lista de credores, gera uma distorção inadequada, como se verá adiante. Mas, antes, vale uma breve digressão à etapa administrativa da verificação dos créditos.

Publicado o edital previsto no artigo 52, § 1º, da Lei 11.101/2005, abre-se prazo para que credores apresentem habilitação e/ou divergência  ao administrador judicial, requerendo a inclusão de crédito não relacionado ou discordando de crédito relacionado. Estas duas, portanto, fazem parte da fase “administrativa” do procedimento de verificação de créditos, que é a realizada perante o administrador judicial, sendo que somente o resultado do trabalho – a relação de credores por ele confeccionada – é que chegará aos autos.

Representação do credor e ajuste do crédito

A rigor, não se trata de procedimento contencioso, nem judicial nem administrativo, por isso não é adequado exigir a presença de advogado, por mais que dada a complexidade e especificidade da temática seja bastante oportuno que os credores estejam representados por um. Ademais, não há custas processuais, tampouco criação de incidente nos autos, já que ao processo somente será juntado o resultado desta etapa, que é a lista feita pelo administrador judicial.

Conforme previsto no caput, do artigo 7º, da Lei 11.101/2005, o trabalho do administrador judicial não é realizado apenas em cima das habilitações e/ou divergências a ele apresentadas pelos credores, mas também “com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor”, por isso é mais adequado o entendimento no qual seja possível ao administrador judicial fazer correções na lista – inclusão, exclusão, reclassificação ou mudança de valor, por exemplo – independentemente de ter ou não o credor apresentado habilitação e/ou divergência.

Assim, esse dever de “agir de ofício” ao qual o administrador judicial está submetido faz crer que seja possível, inclusive, correções em relação a credores que se mantiveram inertes durante o prazo para apresentação de habilitação e/ou divergência, afinal, se ele verificar que um crédito está equivocadamente listado, deve realizar o ajuste mesmo que não provocado.

Etapa administrativa

Na vigência do Decreto-Lei 7.661/1945, as habilitações eram realizadas judicialmente. O propósito de a Lei 11.101/2005 ter levado isso para a esfera administrativa do administrador judicial foi justamente deixar o processo menos tumultuado, de modo que a partir de então somente passaram a ser judicializadas as questões conflitantes entre o administrador judicial e os credores ou os devedores. Parece claro, portanto, que o administrador judicial deve depurar ao máximo a lista de credores, reduzindo o quanto possível o ajuizamento de posteriores impugnações judiciais, afinal essa é a razão de existir desta etapa administrativa.

Disso tudo, pode-se concluir que a habilitação administrativa não é condição indispensável para que o crédito esquecido pelo devedor passe a constar na relação de credores que vier a ser apresentada pelo administrador judicial – e que, possivelmente, servirá de base para a eventual assembleia que vier a deliberar sobre o plano de recuperação judicial.

Impugnação de crédito

Uma outra possibilidade de o crédito esquecido pelo devedor (não relacionado por este na relação de credores que instruiu a petição inicial) vir a constar no quadro de credores é mediante o ajuizamento de impugnação de crédito após a publicação do edital previsto no artigo 7º, § 2º, da Lei 11.101/2005. Se na impugnação apresentada for proferida decisão judicial, liminar ou não, reconhecendo o crédito e determinando sua inclusão na relação de credores, um dos efeitos disso será a possibilidade de participação pelo credor, com direito a voto, na assembleia que eventualmente vier a ser convocada.

Com isso identificamos, ao menos, duas situações em que, mesmo não tendo constado na relação de credores apresentada pelo devedor, o credor poderá participar da assembleia com direito a voto (inclusão de ofício pelo administrador judicial ou por meio de decisão judicial proferida em impugnação de crédito).

Note que em nenhuma das duas situações hipotéticas mencionadas houve a apresentação tempestiva de habilitação administrativa de crédito, assim como em nenhuma das duas é possível afirmar que o credor que terá direito a voto tenha sido mais cauteloso ou diligente do que aquele que apresentou habilitação retardatária. Ao contrário, pode ser que o titular do crédito incluído de ofício tenha seguido inerte até a publicação da relação do administrador judicial ou que o retardatário tenha ajuizado a habilitação antes do início do prazo para impugnação.

Desequilíbrio

Ou seja, em situações como as narradas, ocorreria algo, no mínimo, curioso. O credor que apresentou habilitação retardatária não votaria, mas o credor que ajuizou impugnação e que teve o reconhecimento judicial de seu crédito poderia votar. O mesmo pode ser dito para o credor que nada fez, mas que acabou sendo incluído de ofício pelo administrador judicial. São hipóteses que criam indevida desequiparação entre os credores que perderam o prazo de 15 dias, com a penalização tão somente daquele que ajuizou habilitação retardatária. Aliás, vale repetir que esta pode, inclusive, eventualmente ter sido proposta antes mesmo do início do prazo para apresentação de impugnação de crédito, o que agravaria ainda mais a quebra de isonomia, pois, em tese, o credor retardatário teria sido mais diligente do que o credor que pediu a inclusão de seu crédito por meio da impugnação judicial.

Além disso, não se pode esquecer também que o mecanismo de ciência do início do prazo para habilitação administrativa é ficto, se realizando por meio de publicação de edital em que, eventualmente, nem sequer constou o nome do credor. Portanto, taxá-lo de negligente ou desidioso, imputando-lhe penalização, parece exagerado. Por isso, não bastasse a discriminação acima apontada, a consequência do não cumprimento do prazo de quinze dias para apresentação da habilitação administrativa ao administrador judicial é completamente desproporcional.

Não bastasse isso, a penalização com a perda do direito a voto em assembleia ao credor retardatário poderia, inclusive, servir de estímulo para que o devedor maliciosamente ocultasse o nome do credor na relação a que se refere o inciso III, do artigo 51, da Lei 11.101/2005, com a esperança de que este não se habilitasse tempestivamente e não viesse a participar da assembleia a ser no futuro realizada.

Solução mais adequada

Sendo assim, a melhor opção é a que concede o direito de voto ao credor tão logo o seu crédito seja reconhecido por meio de decisão judicial. Gladston Mamede, igualmente, reconhece tratar-se de punição desproporcional ao credor que apresentou habilitação retardatária: “a afirmação de que os créditos retardatários não terão direito a voto nas deliberações da assembleia geral de credores, entretanto, deve ser lida com cautela: não terão o direito até que tenham sido judicialmente admitidos. Não há razão para suprimir-lhes ou cercear-lhes tal faculdade quando já tenha havido a inclusão no quadro geral de credores, por decisão de mérito ou mesmo antecipatória de tutela. Não se trata de ato ilícito, nem seria razoável ou proporcional tal punição.”

Esse entendimento é também o que melhor se ajusta à previsão do artigo 39 da Lei 11.101/2005, pois todos os credores que estejam arrolados na relação contemporânea à ocorrência da assembleia ou que tenham seu crédito reconhecido por meio de decisão judicial terão direito a voto segundo o dispositivo em questão.

Vale, por fim, mencionar que, a depender do preenchimento dos requisitos processuais inerentes, pode haver, inclusive, a concessão de tutela provisória a fim de garantir o direito de voto do credor que apresentou habilitação de forma extemporânea.

 

Fonte: Consultor Jurídico 

 


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