Enchentes no RS devem elevar os pedidos de recuperação judicial
As enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em maio devem agravar o cenário de alta nos pedidos de recuperação judicial no agronegócio no país. O número de pedidos já vem crescendo desde o ano passado, reflexo do endividamento de uma parcela dos produtores e empresas do setor. E a tragédia gaúcha, que afetou vários segmentos da produção agropecuária, tende a elevar os pedidos no Estado neste segundo semestre e no início de 2025, de acordo com especialistas, com impacto nos números totais.
No segundo trimestre do ano, o país tinha 243 empresas do setor agropecuário em recuperação judicial, uma alta de 8,48% em relação ao mesmo período de 2023, segundo o novo Monitor RGF da Recuperação Judicial no Brasil, desenvolvido pela consultoria RGF&Associados.
No Rio Grande do Sul, o levantamento do Monitor RGF mostra que as recuperações judiciais em empresas do agronegócio passaram de seis no segundo trimestre do ano passado para 28 no mesmo período deste ano, puxadas pelos segmentos de soja (11) e criação de bovinos de corte (10) como atividade principal. Os dados consideram apenas as recuperações deferidas pela Justiça.
Segundo Roberta Gonzaga, consultora da RGF, especialista em reestruturação, os dados ainda não refletem os impactos das enchentes, mas a expectativa é de que os efeitos da tragédia comecem a aparecer nas próximas negociações com credores ao longo do ano, com chances de desencadear novas recuperações judiciais.
Diego Estevez, advogado e sócio do escritório Estevez Guarda Administração Judicial, localizado em Porto Alegre, afirma que algumas recuperações judiciais deferidas no Rio Grande do Sul ainda têm ligação com desequilíbrios financeiros causados pela pandemia da Covid-19.
O aumento na taxa de juros e, no caso dos produtores, os episódios de seca que geraram prejuízos para a colheita no Estado e a queda dos preços dos grãos também contribuíram para o aumento dos pedidos, diz.
Agora, Estevez, que também é membro da Comissão Especial de Falências e Recuperações Judiciais (CEFRJ) da OAB/RS, acredita que os pedidos de recuperação vão crescer entre os gaúchos. A dúvida é a partir de quando.
“O produtor de soja, que já veio com duas safras de dificuldade, no momento em que ele tem uma enchente que levou à perda de novo na safra, não vai demorar muito tempo para pedir. [Será] algo entre dois a três meses”, estima. “Quem tiver um pouco mais de recursos financeiros, vai demorar um pouco mais”, acrescenta Estevez.
Por enquanto, avalia, não é possível saber se novos pedidos já começaram a ser feitos porque o produtor leva algum tempo para conseguir mensurar as opções que tem para lidar com uma crise financeira.
Uma fonte do Sindicato Rural de Venâncio Aires, uma das cidades gaúchas atingidas pelas enchentes entre abril e maio, disse à reportagem que os produtores da região seguem endividados e com a expectativa de conseguir alguma anistia junto ao governo.
“Muitos sabem que se pedirem recuperação judicial não vão conseguir dinheiro novo de outros financiamentos para poder trabalhar, por isso ainda não chegaram a esse ponto”, avalia.
Eduardo Scarpellini, sócio-diretor da EXM Partners, afirma que antes das medidas judiciais, o produtor ou empresa pode recorrer a uma negociação para alongamento da dívida. Segundo ele, o mercado está avaliando com cautela as consequências da tragédia no Rio Grande do Sul, o que também torna os processos mais morosos.
“O mercado ainda está avaliando, tem uma rodada de uns seis meses para entender o que vai acontecer, [mas] tem áreas que não vão voltar a produzir agora. Acredito que serão feitos pedidos de recuperação judicial no fim de 2024 no Rio Grande do Sul”, estima o especialista.
Um estudo da EXM com base nos dados mais recentes da Serasa Experian destaca que os pedidos de recuperação judicial por produtores rurais aumentaram cerca de 300% em 2023. A variação no comparativo anual é grande, mas o número absoluto é de 127, o que é considerado pequeno perto dos milhares de produtores existentes no país.
Entretanto, o estudo indica que esse “percentual de aumento tende a aparecer de forma mais expressiva neste ano e em 2025, inclusive, considerando os últimos acontecimentos no Rio Grande do Sul, com as chuvas e enchentes ocorridas, o que traz como consequência perspectivas preocupantes para o setor a curto e médio prazo”.
Fonte: Globo Rural