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Recuperação judicial e a (im)possibilidade de instauração do IDPJ na fase executiva trabalhista

  20 de Junho de 2024

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É de conhecimento público e notório que um dos maiores gargalos das reclamações trabalhistas é a fase executiva. Isto porque, não obstante a decisão judicial possa ser favorável ao credor, não são raras as vezes em que o processo acaba sendo arquivado em razão da inexistência de bens do executado capazes de satisfazer o crédito exequendo.

À vista disso, a questão executiva fica ainda mais complexa quando a empresa se encontra em recuperação judicial ou em processo falimentar.

Propositura legislativa
Dito isso, impende destacar que tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) nº 3/2024 que altera a Lei nº 11.101, de 9/2/2005, para aprimorar o instituto da falência da sociedade empresária. O referido projeto legislativo, que foi apresentado em janeiro deste ano, permanece aguardando a apreciação pelo Senado.

Segundo consta do projeto de lei, uma vez apurado ou liquidado definitivamente o crédito na justiça especializada, o credor só poderá exigir o seu pagamento perante o juízo falimentar, de sorte que, inclusive, a própria instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) também seria permitida somente na Justiça Comum.


Por certo, a questão envolvendo a temática, principalmente por determinar a transferência de competência da Justiça do Trabalho para o juízo falimentar, notadamente quanto ao julgamento do IDPJ, é um assunto que impacta milhares de ações trabalhistas, tanto que a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista eletrônica Consultor Jurídico, razão pela qual agradecemos o contato.

IDPJ na recuperação judicial
Sabe-se que a jurisprudência dos tribunais superiores é pacífica no sentido de que, uma vez formado o título executivo judicial trabalhista, se figurar no polo passivo empresa em recuperação judicial, a habilitação do crédito deve ser feita perante o juízo universal falimentar.


Spacca
Entrementes, não obstante a impossibilidade de se prosseguir com a execução trabalhista contra a empresa recuperanda, a jurisprudência trabalhista também tem admitido a competência da Justiça Especializada para prosseguir com a execução em face dos sócios ou de empresas que façam parte do mesmo grupo econômico. 

Lição dos especialistas
Sob esta perspectiva, oportunos são os ensinamentos de Rafael Guimarães, Ricardo Calcini e Richard Wilson Jamberg:

“Entrementes, diante da autonomia da personalidade dos sócios em relação à empresa, sempre se admitiu o redirecionamento da execução em face destes, observada a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), assim, como não há óbice para que os responsáveis secundários sejam executados, sob os mesmos fundamentos expostos quando tratamos do redirecionamento da execução em face dos sócios de empresas em recuperação judicial.

(…)

Contudo após a vigência da Lei nº 14.112/2020, que implementou a reforma da Lei de Falências e Recuperações Judiciais, há discussão acerca da possibilidade do direcionamento da execução em face dos sócios da massa falida, como será tratada no tópico adiante”.

Desta feita, conquanto a Justiça do Trabalho não seja competente para prosseguir no curso da execução contra a empresa em recuperação judicial ou em falência, esta competência poderá subsistir, em tese, em face de seus sócios, ou, ainda, contra os demais corresponsáveis patrimoniais.


Tribunal Superior do Trabalho
Sob este enfoque, o TST já foi provocado a emitir juízo de valor no que diz respeito ao prosseguimento da execução em face dos sócios em caso de a empresa estar em recuperação judicial.

Eis o seguinte precedente da Corte Superior Trabalhista:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – EMPRESA FALIDA – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA OS SÓCIOS – ART. 82-A, § 1º, DA LEI N° 14.112/2020 – INAPLICABILIDADE. Ante a possível violação do art. 114, IX, da Constituição Federal, dou provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – EMPRESA FALIDA – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA OS SÓCIOS – ART. 82-A, § 1º, DA LEI N° 14.112/2020 – INAPLICABILIDADE (violação do art. 114, IX, da Constituição Federal). A jurisprudência desta Corte Superior já se consolidou no sentido de ser competente esta Justiça Especializada para o julgamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica com vistas ao redirecionamento da execução em face dos sócios da empresa falida. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-1213-65.2021.5.06.0211, 2ª Turma, relatora ministra Liana Chaib, DEJT 14/6/2024).

Aliás, impende frisar que a decisão acima ocorreu em enfrentamento direto ao artigo 82-A da Lei nº 11.101/2005, com redação incluída pela Lei nº 14.112/2020 (LRJF), que reservou, ao Juízo Falimentar, a competência para a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida para fins de responsabilização de grupo, sócio ou administrador por obrigação desta.

Destarte, ao que parece, é que o novo Projeto de Lei (PL) nº 3/2024 busca reafirmar, sobretudo no âmbito da legislação trabalhista, que carece de competência a Justiça do Trabalho para instaurar IDPJ em face de sócio de executado trabalhista falido.


Inclusão do sócio no polo passivo
Destarte, antes da promulgação da Lei 13.467/2017, para a inclusão de sócios no polo passivo na fase executiva, bastava apenas a comprovação nos autos do processo de que a empresa não possuía condições de arcar com o crédito exequendo, de sorte que, com fundamento na teoria menor, prevista no artigo 28, § 5º, do CDC, os sócios (atuais e retirantes) poderiam ser incluídos no polo passivo na figura de responsáveis patrimoniais.

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Todavia, a partir da reforma trabalhista, foi inserida na norma celetista o artigo 855-A na CLT que, para tanto, passou a exigir que a inclusão dos sócios no polo passivo executivo seja feita mediante prévia instauração do IDPJ, na forma do que estabelecem os artigos 133 a 137 do CPC. Tal procedimento formal teve por objetivo assegurar o exercício do devido processo legal às partes, assim como a garantir a segurança jurídica.

Reflexões
Se o Projeto de Lei (PL) nº 3/2024 for aprovado é possível que haja uma mudança no entendimento atualmente sedimentado, porquanto haveria a imposição de verdadeiro óbice ao prosseguimento da execução em face dos sócios na Justiça do Trabalho. Por corolário lógico, a fase executiva se tornará ainda mais tormentosa para o credor trabalhista, afinal, é cediço que o recebimento de crédito perante o juízo falimentar nem sempre é garantida.

Noutro giro, se faz necessária, de antemão, uma reflexão sobre os possíveis prejuízos que este projeto legislativo trará ao processo de execução e no direito dos trabalhadores, caso seja aprovado, haja vista a possibilidade de eventual utilização de uma manobra jurídica conhecida como “blindagem patrimonial”, que é um termo bastante difundido no ambiente acadêmico, representativa de uma forma de ocultar bens de pessoas (físicas e jurídicas) para que tais patrimônios não sejam atingidos por essas execuções.


Conclusão
Em arremate, vale destacar que, em tempos atuais, a Justiça do Trabalho conta com uma série de convênios visando a localização de bens em nome dos executados, tais como Sisbajud, Renajud, Arisp, CNIB, Serasajud, Infojud, CRCJUD, dentre outros, e, ainda assim, por muitas vezes, não é possível alcançar na prática a efetiva satisfação patrimonial dos devedores. Portanto, é preciso que seja feito no Congresso Nacional um amplo debate sobre o assunto, sendo ouvidos trabalhadores, empregadores, advogados, magistrados, sindicatos, professores e juristas, tudo, enfim, com o objetivo de evitar quaisquer retrocessos, afinal, o processo trabalhista poderá, num futuro próximo, se tornar inócuo se não houver meios de garantir o adimplemento do crédito de forma célere e eficaz.

 

Fonte: Conjur


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