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Recuperação Judicial da Bombril: o risco de uma estratégia à margem da lei e da Justiça

  20 de Favereiro de 2025

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O recente pedido de recuperação judicial da Bombril dá margem a uma série de reflexões relevantes no campo do direito empresarial e falimentar. O caso ganhou notoriedade não apenas pelo protagonismo que a marca exerce no mercado nacional e o montante expressivo da dívida, mas também pelo fato de que a maior parte das obrigações alegadas resultam de autuações fiscais ainda em discussão. Esse cenário provoca uma análise sobre a legalidade e a eficácia da recuperação judicial quando confrontada com litígios fiscais em aberto.

 

A empresa, famosa por sua esponja de aço, anunciou que entrou com pedido de recuperação judicial junto com outras sociedades do Grupo Bombril. Dois dias depois do anúncio, a Justiça de São Paulo aprovou a solicitação, o que permitiu o início da recuperação. Os valores agregados das autuações fiscais somam R$ 2,3 bilhões, mas o pedido oficial de recuperação judicial cita R$ 332,8 milhões em dívidas. Esses valores, entretanto, segundo a própria Bombril, estão sendo discutidos em processos judiciais.

 

A Lei de Recuperação e Falências (Lei 11.101/2005) determina que débitos tributários não podem ser incluídos no plano de recuperação judicial, um entendimento amplamente consolidado. No entanto, empresas que enfrentam autuações fiscais, a recuperação judicial como uma ferramenta para minimizar os impactos dessas disputas, como a reavaliação de risco por parte de credores financeiros e fornecedores.

 

No caso da Bombril, a empresa enfrenta autuações da Receita Federal relacionadas à aquisição de títulos de dívida estrangeiros entre 1998 e 2001. Esse passivo, se confirmado, pode colocar em risco sua continuidade operacional. Diante desse quadro, a solicitação de recuperação judicial surge como uma estratégia para garantir liquidez e evitar a deterioração das relações comerciais, além de preservar o funcionamento da empresa. Essa foi uma estratégia assumida publicamente pela organização, que admitiu ter como objetivo a reestruturação adequada do passivo por meio de um processo célere e com menor impacto possível aos direitos dos credores e à atividade operacional.

 

Embora a recuperação judicial seja uma alternativa legítima para a reestruturação de passivos financeiros e comerciais, seu uso para enfrentar autuações fiscais em discussão pode não ser a melhor estratégia. No Brasil, os tributos não são passíveis de recuperação judicial, conforme entendimento consolidado nos tribunais e na própria legislação. No entanto, a empresa pode estar utilizando o pedido para evitar os reflexos negativos das autuações, como a reavaliação do risco de crédito por fornecedores e credores financeiros.

 

Outro ponto a ser analisado na estratégia de recuperação da Bombril é a possibilidade de alienação de ativos, incluindo aqueles que estão penhorados em execuções fiscais. A Lei 11.101/2005 introduziu inovações importantes nesse aspecto, permitindo a venda de Unidades Produtivas Isoladas (UPI), o que confere maior segurança jurídica aos adquirentes e facilita a captação de recursos. Esse mecanismo é fundamental para garantir a continuidade das operações da empresa, permitindo-lhe monetizar ativos sem transferir os passivos, algo que, no caso da Bombril, pode ser essencial para a manutenção de suas atividades enquanto renegocia as suas obrigações.

 

Fato é que, diante do cenário brasileiro, com um número recorde de pedidos de recuperações judiciais em 2024 — um aumento de 61% em relação a 2023, segundo dados do Serasa —, o caso da Bombril levanta questões relevantes sobre os limites e as possibilidades desse instrumento jurídico. Caso a empresa possua passivos significativos, sua estratégia de recuperação pode ser considerada legítima e necessária para evitar um colapso operacional.

 

No entanto, se ficar evidenciado que o pedido de recuperação tem como objetivo contornar dívidas fiscais não sujeitas a esse tipo de processo, a estratégia enfrentará oposição significativa. O desfecho desse processo se tornará um importante precedente para outras empresas que possam estar em situação semelhante no Brasil.

 

Clóvis Fedrizzi  é advogado com atuação em recuperação judicial e falências, sócio do Fedrizzi & Leitão Advogados, pós-graduado em Direito Processual Civil e em Direito Tributário pela UFRGS, mestre em Direito e doutorando em Direito pela Universidade de Granada (Espanha).

 


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